
Uma sombra paira no ar na política francesa, na medida em que a corrida presidencial para as eleições de 2012 se acelera. E se, 10 anos depois do fatídico embate Jacques Chirac x Jean Marie Le Pen, a extrema-direita fosse capaz de conquistar mais uma vez uma vaga no segundo turno? Na mesma semana em que Le Pen passou a presidência do partido para a filha, Marine, duas pesquisas eleitorais revelaram o impensável: a Frente Nacional (FN), agora sob o comando da herdeira do fundador da sigla, conta com confortáveis 17-18% de intenções de voto - praticamente o mesmo escore que levou a FN ao segundo turno em 2002.
O mais impressionante das pesquisas dos institutos CSA e BVA foi o fato que a Frente Nacional se manteve estável nos 17-18%, quaisquer que fossem os adversários, e apenas seis pontos atrás da presidente do Partido Socialista, Martine Aubry. Uma terceira pesquisa, encomendada pelo jornal Libération, concluiu que 52% dos entrevistados consideram a candidatura de Marine mais "credível" que a de seu pai, e 48% a acham menos controversa. Nada mal para uma candidata que concorre pela primeira vez à presidência. Péssimo se essa candidata encarna uma política radical de intolerância religiosa, expulsão de estrangeiros e abolição de tratados como a União Europeia.
Com uma embalagem mais carismática que o pai e um discurso carregado em populismo, a loira de olhos azuis, 42 anos, está decidida a conquistar o eleitorado de direita nascido na classe média baixa, com pouca instrução e que vem sentindo os efeitos da crise econômica e financeira estourada em 2008.
Calma e sorridente, a filha de Le Pen encarna com perfeição a estratégia de tentar humanizar o partido, desvinculando-o da tradicional imagem ríspida dos líderes de extrema-direita. Sem abandonar argumentos caros à sigla, como atribuir à imigração as taxas crescentes de desemprego na França, Marine cuida de cada palavra que sai de sua boca para maquiar as convicções xenofóbicas que marcam a cartilha do partido do início ao fim. Defende com cada vez mais ardor dos valores da República francesa - liberdade, igualdade, fraternidade - e a laicidade, mesmo que uma forma um tanto deturpada. A rejeição aos estrangeiros agora se confunde cada vez mais com a noção de "islamização da França", no intuito nacionalista de reforçar a luta pela identidade dos chamados franceses "de raiz".
"O discurso em relação à imigração mudou muito de 2007 para cá, não apenas na extrema-direita francesa, como também na Suíça, com o UDC e a interdição dos minaretes, ou na Holanda, com o Partido da Liberdade, ou ainda o FPO, na Áustria. Agora, todos eles visam o Islã com todas as forças e sustentam que o multiculturalismo não é nem possível, nem desejável", estima Jean-Yves Camus, um dos maiores especialistas em extrema-direita da França. Na visão dele, o islamismo ocupou o espaço deixado pelo comunismo no imaginário dos radicais de direita. "O Islã aparece como uma cultura, e não como uma religião, intrinsecamente incompatível com o desenvolvimento no solo francês. Não importa se o muçulmano é praticante ou não."
No plano econômico, Marine propõe um retorno radical do protecionismo, que inclui a saída da União Europeia, a readoção da moeda franco - "o euro é o causador do empobrecimento do nosso país" - e o desestímulo às importações. Suas propostas, não à toa, também se aproximam da extrema-esquerda: a futura candidata é contra a globalização e defende a proteção social e o aumento das políticas de emprego e moradia - apenas para os franceses, é claro. "É absurdo continuarmos deixando entrar centenas de milhares de estrangeiros no nosso país ao mesmo tempo que temos cinco milhões de desempregados", disse, durante a posse na presidência do partido.
Para Camus, ainda é muito cedo para se tirar qualquer conclusão sobre qual vai ser o peso de Marine nas próximas eleições. O pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS) acha que o resultado das pesquisas divulgadas nesta semana podem ser apenas reflexo da superexposição dela na mídia, após ter assumido o comando da Frente Nacional, no domingo.
Seja como for, o temor de um segundo turno entre Nicolas Sarkozy e Marine Le Pen já faz as lideranças da esquerda começarem a evocar uma candidatura única. Resta convencer os partidos menores, como o Partido Verde e o Comunista, a se esconderem atrás de uma única liderança socialista, o maior partido de oposição da França.
E não é somente à esquerda que a candidata da Frente Nacional preocupa: no partido de Sarkozy, UMP, os dirigentes não são ingênuos de pensar que uma nova figura, representando sem pudores os interesses dos franceses e apenas dos franceses, passaria despercebida no caminho do atual presidente à reeleição. "Sarkozy está enfraquecido politicamente, e neste momento devem estar ocorrendo discussões internas no partido para decidir se o UMP vai abrir o diálogo com a Frente Nacional para 2012, ou se vai preferir enfrentá-la", disse Camus.
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